Os médicos tipicamente entendem o exercício de sua profissão como uma prática científica. Alguns juízes e advogados partem de uma crença semelhante, mas esse não parece ser um ponto de partida adequado para a atividade jurídica, que lida com discursos humanos, e não com comportamentos orgânicos.
Creio mais adequado enxergar o processo judicial como um jogo argumentativo, que é um tanto imprevisível, por depender de uma série de contingências. Isso torna difícil avaliar o risco de um processo específico, na medida em que não se sabe exatamente quais serão os elementos que conduzirão o juiz a decidir de uma maneira ou de outra. Podemos até fazer previsões relativamente seguras sobre o modo típico de comportamento do judiciário, mas isso não garante uma previsão adequada do modo como será resolvido um caso particular.
Frente a essa incerteza, a posição mais confortável é a do paciente, ou de sua família, já que ela não corre sequer os riscos típicos do insucesso, já que não sofre prejuízos típicos da improcedência do pedido. Para a empresa, a situação é ruim, mas é tratada de forma profissional, como um risco típico da atividade. E, sem dúvida, a posição mais desconfortável é a do médico, que vê sua reputação em jogo, vivendo também um drama ético de se ver processado talvez de forma infundada.
Apesar de o direito tratar o paciente como hipossuficiente, o médico não deixa de ser também uma parte fraca, já que não foi preparado para desempenhar o papel de réu e precisará procurar um advogado, afinal as perdas, sejam financeiras, sejam de reputação, podem colocá-lo em ruína. E paralelamente ao processo judicial geralmente há um processo ético ou disciplinar em curso junto ao conselho profissional, que pode vir a influenciar no julgamento judicial, além de submeter o médico a penas de advertência, suspensão e cassação do exercício profissional.
Além disso, o médico expõe seu patrimônio de pessoa física a esses processos, de modo que seu risco é muito maior do que o do hospital. Afinal, o risco de indenizações é contado pelos hospitais na formação do seu preço, fazendo desse elemento uma condição inerente ao seu negócio. Então o hospital está preparado para perder em algum momento, mas o médico tipicamente não pode perder, pois isso comprometeria substancialmente o seu patrimônio e sua imagem, talvez de forma irreversível.
O médico, portanto, deveria ser a parte mais interessada na prevenção dos processos e a minimização dos riscos envolvidos. Porém, talvez pelo excesso de confiança ou pela simples falta de reflexão, muitos médicos costumam atuar de modo a ampliar os riscos inerentes a sua profissão, em vez de minimizá-los. Por isso mesmo é que parece que os hospitais precisam tomar a iniciativa de estabelecer com seu corpo clínico estratégias de prevenção e cooperação que evitem ao máximo os problemas judiciais.