O controle de razoabilidade, entendido como o controle da legitimidade das opções valorativas discricionárias dos agentes estatais, é o que poderíamos chamar de controle em sentido estrito. Mas, ao lado desse controle podemos identificar uma exigência genérica de que todos os atos estatais sejam justos, o que implica que sejam razoáveis e proporcionais. Contribui para isso o fato do termo razoabilidade ser polissêmico. Como bem notou Suzana Barros "razoabilidade enseja desde logo uma idéia de adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, equidade, traduz tudo aquilo que não é absurdo, tão-somente o que é admissível. Razoabilidade tem, ainda, outros significados, como, por exemplo, bom senso, prudência e moderação"[1].
Por ser um termo tão versátil, a sua utilização é constante na jurisprudência do STF, especialmente como referência a noções de bom senso e prudência. E a grande tentação de quem trabalha com o princípio da razoabilidade é identificar uma aplicação desse princípio a cada vez que a jurisprudência utiliza o termo razoabilidade. Todavia, ao ceder a essa tentação, terminamos por identificar o controle de razoabilidade como uma exigência genérica e abstrata de prudência e bom senso.
Com isso, corre-se o risco de diluir a idéia do controle a um ponto tal que a exigência de razoabilidade passaria a ser entendida como uma exigência de justiça, o que tenderia a desnaturar o conceito. Por mais que seja desejável que o exercício de poder obedeça a padrões de justiça, a idéia de justiça é ao mesmo tempo tão ampla e tão relativa que essa exigência não se tornou um requisito de validade dos atos estatais. A justiça conserva sua importância como uma idéia reguladora do sistema jurídico, como um valor a ser mantido em mente por todos os envolvidos[2]. Todavia, na atual dogmática jurídica, sustentar que uma lei é injusta não é um argumento suficiente para justificar a não-aplicação de uma norma ou a anulação de um ato. Se entendermos a exigência de razoabilidade de uma forma tão ampla a ponto de a identificarmos com a prudência, o bom senso ou a justiça, terminaremos por inviabilizar a sua utilização como um requisito de validade dos atos estatais.
Por outro lado, se considerarmos o princípio da razoabilidade como uma exigência geral de justiça, o seu âmbito de aplicação tornar-se-ia tão amplo que todas as questões envolveriam esse controle. E o resultado dessa ampliação seria novamente a diluição do conteúdo do controle de razoabilidade e a impossibilidade de se fixar critérios minimamente objetivos para a sua aplicação, pois os critérios que servissem para avaliar o bom senso de todas as espécies de atos estatais precisariam ser tão gerais, tão abstratos, que - tal como a idéia de justiça - não serviriam como um instrumento adequado para a avaliação da legitimidade dos casos concretos.
Dessa forma, para que seja possível desenvolver o controle de razoabilidade como um instrumento dogmático capaz de funcionar como um instrumento de avaliação da legitimidade dos atos estatais, é preciso definir com clareza o seu âmbito de aplicação, bem como o seu conteúdo. E é por esse motivo que fazemos a distinção entre a exigência geral de razoabilidade que deriva da idéia de justiça e o controle judicial de razoabilidade propriamente dito, o qual opera por critérios que possibilitam ao Judiciário anular ou modificar atos estatais em virtude de critérios de razoabilidade e será tratado preferencialmente por controle de legitimidade.