A Constituição, no artigo 231, caput, reconhece a organização social, os costumes, as línguas, as tradições, as crenças e os direitos originários sobre as terras que ocupam. Ao fazer isso confere caráter jurídico à preservação das culturas e etnias indígenas. Dessa maneira, a vontade constitucional avança sobre a visão integralista, dirigida no sentido de tornar o índio um membro da sociedade nacional, se dirigindo a uma concepção e a uma atitude de respeito e preservação, conservando as tradições e costumes aborígenes.
Mas este avanço é abruptamente retido. Embora o nosso Pacto Político abra espaço para índios não tutelados e não integrados, modalidade inexistente no ordenamento anterior, a manutenção do regime tutelar fere de forma visceral culturas e tradições.
A aludida norma em seu artigo 4º. classifica os índios em: isolados, em via de integração ou integrados. A distinção entre os dois primeiros é irrelevante para a própria lei que, já no seu artigo 7º., os trata como não-integrados.
Segundo este mesmo artigo, os silvícolas não integrados à comunhão nacional ficam submetidos ao regime tutelar. Tal sujeição tem duas peculiaridades principais: os escopo civilista da tutela e a invalidade de atos entre os tutelados e qualquer pessoa estranha à comunhão nacional.
Deste modo, a tutela acabou por significar uma mordaça ao desenvolvimento cultural e étnico de todos os índios juridicamente considerados como tais. Pois, embora o estatuto do índio abra a possibilidade de liberar o regime tutelar, estes passariam a não mais ser índios estando completamente integrados à comunhão nacional.
Com o advento da nova constituição e o reconhecimento da cultura dos povos indígenas, abriu-se uma porta, quase tão pequena quanto a da verdade de Drummond, criando-se, então, uma nova "forma" de índio: o não integrado e não tutelado.
Exsurge, do estatuto, nos seus artigos 9 e 11, a possibilidade de emancipação de indivíduos e comunidades indígenas através de decreto presidencial ou decisão judicial. Restava aos índios requerê-la.
Mas tal atitude não era fácil. A emancipação significaria a perda total de recursos proveniente do tutor. Tal fato acarretaria impossibilidades de manutenções dos limites territoriais de suas reservas, a menos que a comunidade contasse com autonomia financeira.
A capacidade de auto gestão econômica por parte dos índios precisa de incentivos do órgão para consubstanciar-se, i.e., as comunidades indígenas necessitam de apoio ao desenvolvimento de atividades financeiras para que, a partir daí possa, com o tempo, atingir sua tão sonhada autonomia. Não é demais lembrar que o regime tutelar serviu durante todos estes anos. Para isso nos socorremos das tão providenciais palavras de Sílvio Coelho do Santos quanto aos órgãos tutores, no caso a FUNAI, ipsis verbis:
"A FUNAI surge dando alento para os indígenas, antropólogos e indianistas. Sua orientação básica era definida por um Conselho Indigenista, integrado por representantes governamentais e por membros da comunidade científica. Contudo, alguns meses após a sua instalação, a FUNAI começou a ser reorientada. As propostas autoritárias logo dominaram o órgão. Militares se sucederam na sua Presidência, como também dominaram os demais postos de decisão. Incrementou-se uma política indigenista voltada para a integração dos contingentes tribais."
Deste modo, o regime de tutela se orientou e se orienta, embora menos flagrantemente, no sentido de INTEGRAÇÃO. Idéia que é paradoxal com os preceitos constitucionais que informam a questão indígena.
Portanto, a única possibilidade de auto desenvolvimento dos povos indígenas é através de sua emancipação do regime tutelar, i.e., passando por aquela estreita porta que só permite a travessia de meia pessoa por cada vez.